terça-feira, 2 de março de 2010

AS ARMADILHAS DO QUADRIPARTISMO HISTÓRICO

MEUS COMENTÁRIOS:


No meu ponto de vista a visão do quadripartismo não possui em si armadilha alguma. É óbvio que nós, latino-americanos, teriamos uma cronologia seguindo as ordens dos eventos dos conquistadores europeus, a qual, por fim, herdamos a sua cultura, religião e até mesmo o idioma. Os índios e negros não tinham escrita, o que não está escrito, como se diz na linguagem jurídica, NÃO EXISTE.

Queriam o que?? Que seguisemos o calendário judaico? Que se encontra com mais de 5 mil anos de história registrada? Ou seguiriamos o calendário muçulmano, onde eles se encontram proximo do ano 1500 depois da heriga, fuga de Maomé de Meca para Medina???

Não vejo razão para sermos tão contestadores do passado. Bem ou Mal, somos frutos da história dos nossos antepassados. Cada povo tem seu calendário e sua festas comemorativas. Os povos de tradições latinas e da cristandade ocidental segue esta divisão da história.



Concordo plenamente que da forma que estudamos na escola no Ensino Fundamental e Médio não temos informações suficiente sobre a civilização Indiana, Chinesa, Árabe e outras tantas de maneira até mesmo elementar.

Chegamos a idade adulta, apenas tendo uma ínfima noção que existem estes povos. Entretanto, considerando o universo de conhecimento que temos que adquirir durante a vida é natural que temos que dar prioridade para a nossa cultura e sociedade. Caso contrário, estariamos criticando com veemência o fato de dedicarmos muito tempo ao estudo de culturas e civilizações que pouca relação tem com a nossa realidade.

Sinto falta de conhecer mais a história de outras civilizações, mas admito que pelo escasso tempo dado a educação, esta ênfase na história da América e da Europa é plenamente justificável.

Assim sendo, a visão da história do ponto de vista QUADRIPARTIDO, não deve ser visto como contendo armadilhas. Quem se especializa em História pode ser Mestre ou Doutor em História Antiga, ou Média, ou Moderna, ou Contemporânea, mas também em uma busca mais profunda do saber, há espaço na nossa Educação para os Mestres e Doutores em Orientalismo, Civilização Indiana, Estudos Islâmicos.








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As armadilhas do quadripartismo histórico*


Jean Chesneuax


Uma sistematização bem francesa - Cristalização da burocracia histórica e eurocêntrica - A função ideológica específica da história “antiga”, “medieval”, “moderna” e “contemporânea” – O quadripartismo derrotado intelectual e politicamente - O marxismo acadêmico não pode regenerá-lo.


Na França, o estudo e o ensino da história como disciplina integrada à máquina universitária estão organizados em quatro grandes conjuntos, entre os quais supõe-se repartido o tempo histórico:


· História antiga, de fato, história da Antiguidade greco-romana, com uma tímida abertura para o Egito faraônico e os impérios assírio-babilônicos. Esse período se estende tradicionalmente até a queda do Império Romano (conquista de Roma pelos bárbaros, em 410, ou queda do Império Romano do Ocidente, em 484);


· História da Idade Média, de fato, da Idade Média ocidental, com um esforço para estendê-la a Bizâncio, ao leste da Europa e aos países árabes do Mediterrâneo. Esse período se estende até a conquista de Bizâncio pelos turcos (1453) ou até o descobrimento da América por Cristovão Colombo (1492);


· História moderna, sempre da Europa, aí compreendida sua expansão colonial de ultramar, período que se estende até a Revolução Francesa (1789?,1799?,1815?);


· História contemporânea, a única que ultrapassa, bem ou mal, o marco europeu e deixa um lugar efetivo para os países de Ásia, África e América.


É preciso advertir desde já que esse sistema quadripartite de organização da história universal é um fato francês. Em outros países, o passado está organizado de modo diferente, em função de pontos de referência diferentes (cf. capítulo 12, A interioridade nacional em história). Na Grécia, a Antiguidade chega até o século XV, e a ocupação turca corresponde a uma espécie de Idade Média. Na China, a história “moderna” (jindai) vai das guerras do ópio ao movimento patriótico de maio de 1919. Começa com este último a história “contemporânea” (jiandai). Nos Estados Unidos, a história nacional se organiza em três blocos, em função dos eixos fundamentais que são a Guerra de Independência, em fins do século XVIII, e a Guerra de Secessão, em 1860-1864.


Mas é talvez na França que a sistematização da história universal numa estrutura rígida, quadripartite, é mais extremada, mais acabada. Esse quadripartismo cumpre certo número de funções precisas, ao mesmo tempo no nível das instituições universitárias e no nível da ideologia. Desempenha o papel de um verdadeiro aparelho ideológico de Estado.


Função pedagógica


Essas quatro grandes seções formam a armação dos programas de ensino secundário, dos cursos e programas universitários de história, dos concursos de admissão nas escolas normais superiores, dos concursos “de recrutamento “ (Capes, efetivação). O que implica de imediato, a mesma organização para os manuais escolares ou as coleções de obras históricas.


Função institucional


É com base no quadripartismo que se efetua a denominação das cátedras de ensino nas universidades. O CNRS funciona nos mesmos moldes: cada uma de suas quatro comissões de história é todo-poderosa em matéria de créditos, de nomeações, de equipamento científico, num dos quatro domínios clássicos da história. O mesmo se dá nas seções do Comitê Consultivo das Universidades (CCU), organismo mandarinista (capítulo 7), senhor absoluto nas decisões sobre as carreiras, as nomeações, as promoções. Cada historiador profissional deve ser registrado numa dessas quatro comissões ou seções, por exemplo, por ocasião das “eleições”, que são sua fachada democrática. A obrigação policial de domicílio se manifesta aqui com uma nitidez toda particular. É também ao redor dessas grandes divisões que se cristalizam as camarilhas universitárias. Assim, os mestres de história antiga e de história da Idade Média são suficientemente influentes no ministério para conseguirem que seus respectivos setores representem, cada um, um terço dos programas dos exames escritos de efetivação, o que lhes garante estudantes, assistentes, créditos... No entanto, toda a história do mundo até o século XVI não representa, com razão, mais que uma diminuta parte do ensino que o futuro professor deverá proporcionar aos alunos, através do conjunto dos programas de história das turmas no secundário.


Função intelectual


O quadripartismo forma a base da divisão do trabalho de investigação entre os historiadores, e suas quatro zonas são outros tantos subconjuntos fechados sobre si mesmos. Sem dúvida, existem outras chaves, outros modos de divisão do campo histórico e de distribuição das especialidades; é possível afirmar-se como especialista de determinado país ou de certo aspecto da atividade social (história, religiosa, história econômica, história das mentalidades). Todavia, com a exceção de casos marginais, só se consideram legítimas e respeitáveis essas subespecializações, compatíveis com as exigências da ciência histórica, se se efetuam no interior de um dos quatro grandes setores de base: história econômica grega, história do comércio na Idade Média, história demográfica moderna...


Função ideológica e política


O quadripartismo tem como resultado privilegiar o papel do Ocidente na história do mundo e reduzir quantitativa e qualitativamente o lugar dos povos não-europeus na evolução universal. Por essa razão, faz parte do aparelho intelectual do imperialismo. Os marcos escolhidos não tem significado algum para a imensa maioria da humanidade: fim do Império Romano, queda de Bizâncio. Esses mesmos marcos destacam a história das superestruturas políticas, dos Estados, o que também não é inocente.


As categorias básicas do quadripartismo têm uma função ideológica específica, enraízam no passado certo número de valores culturais essenciais para a burguesia dirigente. É o caso da Antiguidade greco-romana, que, desde o Renascimento e, ainda mais, com a Revolução Francesa, por razões políticas, é uma das bases da cultura burguesa na França. Não há muito tempo era preciso compor versos em latim no bacharelado e defender em latim a tese de doutorado (o que Jauréz fez!). Saber grego e latim era um indício seguro de que se pertencia à classe dirigente; as coisas não mudaram até bem pouco tempo, com a ascensão das matemáticas.


A Idade Média é igualmente ideológica. É, quanto ao essencial, uma Idade Média cristã; dá oportunidade, portanto, para se exaltarem os valores da “civilização cristã”: família monarquia, cruzadas, cavalaria: todo um vocabulário tenaz. Essa Idade Média é ideológica na própria origem do termo: uma “longa espera”, “uma Idade Média intermediária entre a Encarnação que encerrou a Antiga Lei e o dia bendito do Reino de Deus que se espera” (M. Bloch). Fazer da Idade Média uma das categorias básicas da história universal é perpetuar o prestígio e a ascendência dos meios do catolicismo conservador e da Igreja: a civilização cristã, de que se pretendem herdeiros, é erigida como um dos pilares do próprio Tempo.


Pompidou, filho de um professor laico, transferido para o campo da grande burguesia, cumpriu de maneira muito coerente sua função ideológica de defender a ordem estabelecida ao restabelecer o latim no quinto ano e organizar grandes festividades para o sétimo centenário de São Luís Rei de França...


O termo “Tempos Modernos”, ao menos desde Voltaire, consagrou a pretensão da burguesia ascendente de completar a história, de controlar para sempre, em nome de sua “modernidade”, o futuro da humanidade inteira. Desde algumas dezenas de anos, a história “moderna” se dissociou da história “contemporânea” no interior do aparelho universitário, mas conserva uma função ideológica específica. O período dos séculos XV-XVIII se apresenta como a idade de ouro dos Antigos Regimes, aqueles cujos mecanismos políticos mais servis parecem evitar as revoluções ou reduzi-las a simples acidentes de percurso. Esse período foi convertido, portanto, na zona de predileção dos adeptos da “longa duração”, da história chamada massiva e, de fato, despolitizada (cf. capítulo 15, tempo curto e tempo longo). Isto porque o estudo da demografia, das mentalidades, das técnicas, da cultura erudita ou popular e das formas sociais de desvio pode se desdobrar à vontade sem que intervenham esses importunos que são as lutas políticas de massa, as crises e as rupturas. Dessa predileção dão testemunho os índices da revista Annales... No estudo desse período “moderno”, historiadores de direita ou de extrema direita, nostálgicos em relação à sociedade pré-capitalista, e historiadores “de esquerda”, propagandistas da nova História, vivem em boa harmonia, apoiados num compromisso político cujo objetivo é precisamente extirpar da história sua dimensão política.


A idade contemporânea, quarto pilar do edifício histórico, envolve uma afirmação e uma pretensão igualmente claras: a aptidão do Ocidente para dominar, política e economicamente, todo o mundo. A história não-européia, marginal ou excêntrica no caso das outras três zonas, torna-se, aqui, componente essencial dessa demonstração ideológica; tem direito de cidadania na instrução história. O domínio do Ocidente sobre o mundo se refletiria, segundo esse ponto de vista, na aptidão dos historiadores ocidentais para apresentar um quadro coerente e global do mundo dos séculos XIX e XX, para ser os guias naturais da história africana, asiática ou americana.


Esse quadripartismo, todavia, já é inadequado no plano intelectual, inclusive para a Europa e até no interior do discurso histórico clássico. Ele recorta em partes arbitrárias certas zonas históricas homogêneas e originais: é o caso da história das regiões marítimas do Báltico e do Mar do Norte, do século XIII e XVIII, com o predomínio dessas grandes cidades comerciais, que ainda hoje tem todas um ar familiar, de Amsterdã a Riga. O quadripartismo relega a segundo plano os fenômenos mais interessantes, as mudanças profundas, os elos históricos. Um especialista do “Baixo Império” e um especialista da “Alta Idade Média” são colocados autoritariamente em diferentes seções do aparelho histórico, são forçados a se domiciliar de um lado ou do outro, com o que se lhes incapacita para um estudo profundo desse período-chave entre a Antiguidade e a Idade Média. O quadripartismo ainda dificulta o estudo dos fenômenos específicos no tempo longo: a comunidade rústica, a utopia, a guerra não-convencional e os marginais. E, finalmente, chega-se a uma verdadeira doutrinação. Um historiador acaba por se convencer de que só é competente nas sacrossantas categorias de base: será proibida toda reflexão geral e comparada.


Mas o quadripartismo fracassa sobretudo pelo próprio movimento da história. Ele se configura incompatível com a evolução do mundo de nosso tempo, com as exigências do presente.


O eurocentrismo, de que é reflexo, é cada vez mais uma pilhéria. O mundo dos brancos, especialmente o mundo dos Wasp (white-anglo-saxon-protestants), terminou. Nixon teve de viajar a Canossa e subir na Grande Muralha; Saigon e Phom Penh foram liberadas por exércitos camponeses armados contra a maior potência do mundo ; a ONU só abrange uma pequena minoria das potências ocidentais que desfrutavam o completo domínio sobre a SDN* meio século antes.


Por outro lado, vivemos “num mundo de nações” (Chu Em Lai). Os problemas da continuidade nacional (capítulo 12) vão cada vez mais substituindo os vastos esquemas. O quadripartismo nada mais é que uma das versões, e não a melhor, do velho sonho de um “discurso sobre a história universal” (capítulo 9); encontra-se tão deteriorado quanto esse próprio sonho.


E, sobretudo, a história como conhecimento de um passado externo a nós se vê, hoje, obrigada a se definir como referência ativa com o passado. A prática social derruba os enclausuramentos do quadripartismo e unifica o campo histórico em função de suas propriedades. Colocar em discussão o atual regime penitenciário obriga a refletir sobre essa instituição no tempo longo, acima das categorias de história “medieval” ou “moderna”. As militantes dos movimentos das mulheres se interrogam, não menos veementemente e num processo coerente, sobre a intensa escravização da “mulher das cavernas” (por que nossas irmãs se deixaram acorrentar?) e sobre o que a Revolução Industrial trouxe de especificamente novo para a exploração social das mulheres.


É preciso salvar, in extremis, o quadripartismo, em nome da teoria marxista? É preciso regenerá-lo, apoiado na sucessão dos grandes modos de produção? A Antiguidade corresponderia ao escravismo, a Idade Média ao feudalismo, os Tempos Modernos ao capitalismo ascendente, o mundo contemporâneo ao capitalismo desenvolvido, já confrontado com o socialismo desde 1917 e 1949.


É certo que cada modo de produção é um poderoso operador histórico; cada um deles estruturou fortemente o conjunto do tecido social de determinada época através da unidade da base econômica e da superestrutura. A família, os valores morais, a prática da escrita histórica, a divisão do trabalho artesanal e o funcionamento da diplomacia se conformam na Idade Média, às leis gerais da produção feudal: todos esses aspectos da vida social se encontram profundamente impregnados de feudalismo. Da mesma forma, os princípios marxistas de análise das sociedades permitem, indubitalvemente, uma análise mais coerente da Antiguidade romana ou do capitalismo ascendente, sob todos os seus aspectos simultaneamente.


Mas os grandes modos de produção definidos por Marx são uma tipologia, uma contribuição à teoria das formações sociais (capítulo 4). Representam casos limites, significativos, que só estão plenamente realizados em condições históricas muitos particulares: Grécia e Roma e, ainda assim, não todo o Império Romano; os estados feudais da Europa ocidental nos séculos XI-XIV; o capitalismo da Europa ocidental e da América do Norte desde meados do século XIX. É muito pouco para tentar reconstruir, com base no velho quadripartismo, um “discurso sobre a história universal” renovado pelo marxismo.


* Este texto corresponde a um capítulo de livro de CHESNEAUX, Jean. Devemos fazer tábula rasa do passado ? São Paulo: Editora ÁTICA,, SDP. Páginas 92 a 99).

Um comentário:

  1. Pelo jeito você não compreendeu o texto de Chesneaux: "Os índios e negros não tinham escrita, o que não está escrito, como se diz na linguagem jurídica, NÃO EXISTE." Esta frase já demonstra a sua ignorância quanto a história negra e indígena. Os maias não eram indígenas? E o Egito não era um povo originalmente negro-africano? O Brasil é 70% negro-indígena e onde aprendemos esta história? Você demonstra uma ingenuidade incrível com seus argumentos infantilizados justificando o eurocentrismo na disciplina de História. Obrigado por postar o ótimo artigo do Chesneaux, é raro achar. Outra coisa cuida a escrita, é Hégira o nome da fuga de Mohammed. Abraços.

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