segunda-feira, 29 de junho de 2015

HISTORIOGRAFIA MARXISTA INGLESA

Escriba Valdemir Mota de Menezes A historiografia marxista inglesa Revista inaugurada pelo marxismo inglês O que é? É um conjunto de trabalhos produzidos por um grupo de historiadores e de teóricos de outras áreas formado na década de 60, que adotou uma linha de pesquisa da história a partir da obra de Marx, porém em contraposição a perspectiva dogmática do marxismo, chamada de “marxismo vulgar” por Eric Hobsbawm. Esse historiador é um dos expoentes do marxismo inglês, assim como E. P. Thompson, Christopher Hill, Perry Anderson, Tom Nairn, Raymond Williams e outros. Existem divergências teóricas e metodológicas entre os pesquisadores marxistas dessa corrente de pensamento, porém podemos dizer que a proposta do grupo busca construir uma análise da sociedade como uma totalidade em movimento, na qual a experiência humana não se encontra submissa a qualquer forma de determinismo mecânico. Mais do que isso, além das abordagens socioeconômicas relativas ao interesse sobre os processos estruturais de desenvolvimento do capitalismo, bastante comuns à tradição do marxismo, também há abordagens ao cultural que até então era uma carência no pensamento marxista. A renovação da perspectiva marxista surgiu após o diálogo com as obras de história produzidas pela revista francesa dos Annales, que destacaram o papel do social e do econômico em combate a historiografia praticada no século 19 que alçava a esfera política como centro da história protagonizada por heróis, reis, autoridades, Estado, Igreja através da narração de eventos factuais e lineares pesquisados em documentos oficiais, considerados neutros. O marxismo inglês foi também uma resposta contrária a política stalinista da União Soviética e a produção historiográfica ligada a ela. Hobsbawm (1911-2012) Segundo Hobsbawm (1998), o marxismo vulgar, do qual quer se distanciar, não representa o pensamento marxista maduro e está calcado mais em escolhas de pontos da obra de Marx do que em sua totalidade. Ele elenca sete características presentes nas pesquisas do “marxismo vulgar”. Primeira, uma interpretação economicista da história. A economia é o fator fundamental do qual os demais seriam apenas reflexos. Segunda, o modelo de “base e superestrutura”, usado como simples relação de dependência da primeira sobre a segunda. Terceira, a superestrutura era explicada simplesmente pelo interesse de classe e pela luta de classes. Quarta, defesa de leis históricas e inevitabilidade histórica. Acreditava-se acertadamente no desenvolvimento sistemático e necessário da sociedade humana na história, com exclusão do contingente em longo prazo. Só que isso acabava por cair numa regularidade rígida e imposta de determinismo mecânico, a ponto de não admitir alternativas na história. Quinta, os temas de investigação da história derivavam dos próprios interesses de Marx; ou então (sexta), dos movimentos sociais animados por sua teoria. Sétima, a natureza e os limites científicos da historiografia eram justificados pela história economicista, supostamente estes serviam para explicar motivações e métodos de historiadores que diziam fazer a busca pela verdade de maneira imparcial. Embora houvessem grandes problemas neste tipo de pesquisa, o marxismo vulgar, no entender de Hobsbawm, serviu para destruir paulatinamente a velha história (do séc. 19). Para o historiador inglês, a maior importância do marxismo foi penetrar as ciências sociais com a teoria da "base e superestrutura" que disserta sobre os diversos níveis em interação na sociedade, independentemente se o pesquisador aceita ou não uma hierarquia entre eles. Mais do que isso, a teoria estrutural-funcionalista do marxismo criticou o positivismo por querer estudar fatos humanos baseado em fatos não-humanos, ou seja, equiparar as ciências sociais às ciências naturais da maneira de Comte. Dois fatores principais tornam o marxismo diferente das outras teorias estrutural-funcionalistas: a hierarquia dos fenômenos sociais – tais como base e superestrutura –, e a existência de tensões internas (contradições) na sociedade que contrabalançam a tendência do sistema se manter como um interesse vigente, ou seja, a insistência na mudança através da história (tempo). R. Williams (1921-1988) Por outro lado, preocupados com questões socioculturais ou culturais, autores como Raymond Williams e Edward P. Thompson criticaram o modelo estrutural-funcionalista de base econômica absoluta do marxismo. Thompson não poupou críticas nem a membros do marxismo inglês como Perry Anderson e Tom Nairn. Tanto Thompson, como Williams, propõe uma interpretação inovadora do conceito “modos de produção” da teoria materialista de Marx. Modos de produção, na opinião destes teóricos, não se referem somente às esferas produtivas da economia, do trabalho e de suas relações sociais durante o processo de fabricação de produtos e mercadorias; ou seja, de uma suposta “base econômica” que hierarquicamente determina a cultura. Porém, se referem às maneiras através das quais os sujeitos em suas relações sociais com os outros e com o ambiente (através de suas experiências) produzem cultura. A consciência é determinada pelo ser social em diferentes práticas, econômicas e/ou não-econômicas. Apesar do trabalho de Williams ser voltado para a literatura (para entender contra-hegemonia), o qual poderíamos situar como uma especialidade dos estudos culturais, o conceito de cultura nestes dois autores é mais abrangente, tomada num significado antropológico de totalidade dos fenômenos humanos. Nesse sentido, todas as práticas sociais, inclusive as artes, as religiões, os costumes, os rituais são modos de produção da realidade e constituem a maneira como os sujeitos pensam e agem. É a chamada “história de baixo para cima”. Para Williams (2005), a teoria da cultura no marxismo clássico leva em conta a base determinante e a superestrutura determinada. Mas deve-se abandonar este princípio por outro: “a proposição de que a existência social determina a consciência”. Pois, Marx rejeita a ideologia que enfatiza o poder de certas forças exteriores ao homem como uma consciência abstrata determinante, e coloca a origem da determinação nas próprias atividades humanas. O significado de determinação comporta dois sentidos pelo menos: o de teologia, de que uma força controla de fora toda a atividade humana; e o de experiência da prática social, uma noção de determinação como algo que estabelece limites e exerce pressões. Em geral o marxismo tem usado o “segundo” como se fosse o “primeiro”, de previsão e controle. É preciso, portanto, se afastar dele para não acreditar que os modos de produção são estáticos e homogêneos. Thompson concorda com boa parte das proposições de Williams. O autor se tornou conhecido após escrever A Formação da Classe Operária Inglesa [1963], uma obra em três volumes que solapa as interpretações deterministas econômicas do marxismo clássico, inclusive algumas ideias de Engels. Para Thompson (1987), a classe operária inglesa não foi um produto mecânico da exploração do trabalho na Revolução Industrial, todavia sua consciência foi formada a partir de um modo de produção cultural ligado as experiências sociais anteriores ao trabalho nas fábricas. Numa análise histórica de transformação das condições materiais do ambiente, muitos fatores são considerados para a constituição da consciência de classe: o cercamento de terras no “pré-capitalismo”, as especificidades dos ofícios de trabalho, com mais autonomia ao trabalhador, mudanças nas maneiras de viver, sobretudo com o tempo do relógio, os direitos consuetudinários sobre a terra produtiva, as tradições coorporativas que uniam e protegiam os trabalhadores, o florescimento de religiões evangélicas (como o metodismo) que solidificavam os laços entre os membros em momentos de fraqueza, o imaginário social da Inglaterra sobre um tempo mítico, a fragmentação das concepções morais calcadas nos usos e costumes e etc. São tantas especificidades relativas a cada grupo e região que o autor prefere usar o termo “classes operárias” para operacionalizar conceitualmente a pluralidade de trabalhadores e ofícios. Em Costumes em Comum, Thompson (1998) novamente volta sua atenção para os costumes ingleses do século 18 e 19. Através de uma perspectiva etnográfica, ele quer compreender determinados rituais enquanto formas de resistências e lutas da cultura popular à cultura da elite. O historiador desenvolve também o conceito de “economia moral”, baseado na ideia de que o termo economia designava um significado um pouco diferente do que temos hoje em relação a época em que Marx escreveu. Esta noção se refere às práticas culturais antigas que regulamentavam os costumes, inclusive, as relações de troca, evitando os açambarcamentos e possíveis usuras dos comerciantes. Entre outras coisas, era aquilo que impedia moralmente os fazendeiros de venderem suas colheitas para intermediários, obrigando-os a irem vender seus produtos no mercado para que o preço não aumentasse com a inclusão de atravessadores nas transações comerciais. Sobre as concepções marxistas que ressaltam a primazia do econômico (como “mais real”) a partir da qual as normas, os costumes, os hábitos e os pensamentos seriam meramente reflexos secundários (“menos reais”), Thompson escreve o seguinte: “Uma divisão arbitrária como essa, de uma base econômica e uma superestrutura cultural, pode ser feita na cabeça e bem pode assentar-se no papel durante alguns momentos. Mas não passa de uma ideia na cabeça. Quando procedemos ao exame de uma sociedade real, seja qual for, rapidamente descobrimos (ou pelo menos deveríamos descobrir) a inutilidade de se esboçar respeito a uma divisão assim. Incluídos os marxistas, os antropólogos têm insistido longamente sobre a impossibilidade de se descrever a economia de sociedades primitivas independentemente tanto dos sistemas de parentesco segundo os quais estas se estruturam quanto das obrigações e reciprocidades de parentela que são endossadas quanto impostas pelas normas e pelas necessidades. Mas é igualmente verdade que nas sociedades mais avançadas, distinções daquele mesmo tipo não são válidas. Mal podemos começar a descrever as sociedades feudal ou capitalista em termos ‘econômicos’, independentemente das relações de poder e dominação, dos conceitos de direito de uso ou de propriedade privada (e leis correspondentes), das normas culturalmente sancionadas e das necessidades culturalmente formadas características de um modo de produção. Nenhum sistema agrário fica em pé após um dia sem os complexos conceitos de direito de uso, de acesso e de propriedade. Onde devemos colocar esses conceitos: na ‘base’ ou na ‘superestrutura’? (2001, p. 254-5)". Referências: BARBOSA, W. Marx e a Historiografia no século XX. In: ALENCAR, M. (Org.). A História da História. Goiânia: Editora UCG, 2002, p. 65-103. HOBSBAWM, E. O que os historiadores devem a Karl Marx? In:______. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SHUELER, A. Marxismo e historiografia no reino de Vitória: as contribuições de Edward Palmer Thomspon. Verinotio: Revista On-line de Educação e Ciências, nº 6, ano III, maio de 2007. THOMPSON, E. P. Folclore, antropologia e história social. In:______. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. Unicamp, 2001, p. 227-269. THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. WILLIAMS, R. Base e superestrutura na teoria marxista. Revista USP, São Paulo, nº 65, p. 201-224, março/maio, 2005.