sexta-feira, 3 de setembro de 2010

NOVA HISTÓRIA CULTURAL

MEU COMENTÁRIO:

Gostaria de acrescentar que é importante que possamos confrontar as diversas maneiras de se fazer " história". Confesso que acho essencial a versão oficial dos fatos, a posição das autoridades eminentes e os documentos públicos (ou não) com a versão oficial de um fato. Todavia, jamais podemos abrir mão de ouvir o que dizem os demais atores da história como os adversários políticos e os serventuários do poder e os cidadãos. Somente analisando o conjunto é que podemos processar as informações com mais confiabilidade e capacidade de julgar o que de fato ocorreu e quais as motivações que levaram os acontecimentos a se precipitarem para certos rumos.



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O TEXTO ABAIXO FOI RETIRADO DO SITE:
http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?id=5619



- Nova Hist�ria Cultural e Micro-Hist�ria - uma breve Reflex�o sobre suas Origens -


Mozart Lacerda Filho[1]

N�o � preciso ser um historiador muito atento (ali�s, nem � preciso ser historiador) para observar que a produ��o historiogr�fica produzida no Brasil, principalmente nos �ltimos dez anos, passou por mudan�as mui significativas. O surgimento de revistas especializadas (no m�nimo 3 t�tulos rivalizam-se nas bancas mensalmente), a constante adapta��o de textos de hist�ria para a televis�o, o lan�amento de livros com temas nunca antes imaginados (como � o caso da obra de Jean-Luc Hennig, Breve Hist�ria das N�degas, publicado pela portuguesa Terramar), exemplificam essas mudan�as.

Aqui, neste artigo, discutiremos uma nova forma de se abordar os eventos hist�ricos chamada Nova Hist�ria Cultural. A escolha se justifica, uma vez que, dos novos modelos historiogr�ficos, �, justamente, a Nova Hist�ria Cultural, que mais consegue trazer novos ares ao trabalho do historiador.

Para justificar essa afirma��o, basta observamos o esgotamento das explica��es oferecidas por modelos te�ricos globalizantes, com tend�ncias � totalidade, nos quais o historiador era ref�m da busca da verdade. Essas explica��es globais, por sua incapacidade de interpretar novos agentes hist�ricos, passaram, portanto, a ser questionados. Outro dado que justifica nossa investiga��o, nos � dado por Sandra Jatahy Pesavento (2002, p. 7/8), Segundo ela, a Nova Hist�ria Cultural

corresponde hoje, a cerca de 80% da produ��o historiogr�fica nacional, expressa n�o s� nas publica��es especializadas, sob forma de livros e artigos, como nas apresenta��es de trabalhos, em congressos e simp�sios ou ainda nas disserta��es e teses, defendidas e em andamento, nas universidades brasileiras.

Entremente, n�o ficaremos apenas na Nova Hist�ria Cultural. Abordaremos tamb�m, alguns aspectos da Micro-hist�ria, uma vez que esta � um desdobramento te�rico intimamente ligado ao surgimento da Nova Hist�ria Cultural.

O arcabou�o intelectual que vai dar origem � Nova Hist�ria Cultural est� intimamente ligado ao surgimento, no final da d�cada de 1920, na Fran�a, de uma nova forma de se pensar as quest�es historiogr�ficas, identificada como Hist�ria das Mentalidades.

Essa nova forma de se interpretar os fatos hist�ricos, buscava fugir da hist�ria historicizante: uma hist�ria que se furtava ao di�logo com as demais Ci�ncias Humanas, a antropologia, a psicologia, a ling��stica, a geografia, a economia, e, sobretudo, a sociologia.

No lugar desse tipo de manejo dos fatos hist�ricos, era preciso adotar, segundo Vainfas (2002, p. 17):

uma hist�ria problematizadora do social, preocupada com as massas an�nimas, seus modos de viver, sentir e pensar. Uma hist�ria com estruturas em movimento, com grande �nfase no mundo das condi��es de vida material, embora sem qualquer reconhecimento da determin�ncia do econ�mico na totalidade social, � diferen�a da concep��o marxista da hist�ria. Uma hist�ria n�o preocupada com a apologia de pr�ncipes ou generais em feitos singulares, sen�o com a sociedade global, e com a reconstru��o dos fatos em s�rie pass�veis de compreens�o e explica��o.

Entretanto, muitas cr�ticas v�o se insurgir contra os defensores da Hist�ria das Mentalidades. A mais comum e corrosiva dessas cr�ticas � de que a Hist�ria das Mentalidades torna multi-fragmentado o seu objeto de estudo. Isto �, �a chamada Hist�ria das Mentalidades abriu-se de tal modo a outros saberes e questionamentos que, no limite, p�s em risco a pr�pria legitimidade da disciplina�, conforme assegura Vainfas (Idem, p. 55/56).

Acuada por cr�ticas de diversas formas, a Hist�ria das Mentalidades refugia-se na chamada Nova Hist�ria Cultural. Se utilizamos a express�o Nova Hist�ria Cultural � para separ�-la daquilo que convencionou-se chamar de Velha Hist�ria Cultural. Segundo Pesavento (2004, p. 14/15), na Nova Hist�ria Cultural

Foram deixadas de lado concep��es de vi�s marxista, que entendiam a cultura como integrante da superestrutura, como mero refluxo da infraestrutura, ou mesmo da cultura como manifesta��o superior do esp�rito humano e, portanto, como dom�nio das elites. Tamb�m foram deixadas para tr�s concep��es que opunham a cultura erudita � cultura popular, esta ingenuamente concebida como reduto do aut�ntico. Longe v�o tamb�m as assertivas herdeiras de uma concep��o da belle �poque, que entendia a literatura e, por extens�o, a cultura, como o sorriso da sociedade, como produ��o para o deleite e a pura frui��o do esp�rito.

A Nova Hist�ria Cultural, portanto, est� trazendo uma nova forma da hist�ria tratar a cultura. Ainda segundo Pesavento (Idem, p. 15):

N�o mais como uma mera hist�ria do pensamento, onde estudava-se os grandes nomes de uma dada corrente ou escola. Mas, enxergar a cultura como um conjunto de significados partilhados e constru�dos pelos homens para explicar o mundo.

A Nova Hist�ria Cultural, por tudo que foi acima mencionado, vai fazer ressalvas (sem no entanto neg�-lo) ao conceito de mentalidades por classific�-lo amb�guo e excessivamente vago. No entanto, a Nova Hist�ria Cultural n�o nega a aproxima��o com as outras Ci�ncias Humanas, admite o conceito de longa dura��o e aceita os temas do cotidiano. Conforme assegura Vainfas (2002, p. 56):

Os historiadores da cultura (...), n�o chegam propriamente a negar a relev�ncia dos estudos sobre o mental. N�o recusam, pelo contr�rio, a aproxima��o com a antropologia e demais ci�ncias humanas, admitem a longa dura��o e n�o rejeitam os temas das mentalidades e do cotidiano.

Al�m disso, a Nova Hist�ria Cultural quer tamb�m se aproximar das massas an�nimas. Podemos, portanto, afirmar que a Nova Hist�ria Cultural revela uma especial afei��o pelo informal, por an�lises historiogr�ficas que apresentem caminhos alternativos para a investiga��o hist�rica, indo onde as abordagens tradicionais n�o foram.

E foi neste mar de possibilidades novas que v�rios historiadores passaram a navegar. Um dos mais importantes e que, primeiramente, merece destaque � o italiano Carlo Ginzburg, que em 1976 lan�a uma obra �mpar da Nova Hist�ria Cultural (e por que n�o dizer, da Micro-Hist�ria tamb�m), intitulada �O queijo e os vermes�. Nela, o autor discorre sobre um moleiro condenado como herege pela Inquisi��o Papal no s�culo XVI. Podemos considerar essa obra uma obra-s�ntese, uma vez que foi nela que Ginzburg abandonou o conceito de mentalidades (as raz�es, j� discutimos acima) e adotou o de cultura, definindo-a como �o conjunto de atitudes, cren�as, c�digos de comportamento pr�prios das classes subalternas em um certo per�odo hist�rico� (GINZBURG, 1986, p. 16).

Decorre desta defini��o ser poss�vel, agora, recuperar o conflito de classes em uma dimens�o sociocultural, deixando-se entrever no campo das discuss�es te�ricas aquilo que o historiador italiano chamou de circularidade cultural, conceito que se op�e ao velho paradigma cultura popular X cultura erudita.

Outro pensador da Nova Hist�ria Cultural que nos chama aten��o � Roger Chartier. Este, pertencente a uma gera��o contempor�nea do decl�nio das mentalidades na Fran�a. Chartier concorda com as discuss�es lan�adas por Ginsburg por tamb�m rejeitar a vis�o dicot�mica cultura popular X cultura erudita em favor de uma vis�o, digamos, mais abrangente, que, no limite, valoriza o dimensionamento da cultura em termos de classes sociais. Para tanto, ele prop�e um conceito de cultura como pr�tica, e sugere para seu estudo as categorias de representa��o e apropria��o.

Representa��o analisada como algo que permite ver uma coisa ausente e que, segundo Chartier seria mais abrangente que o conceito de mentalidades, uma vez que o ausente em-si n�o pode mais ser visitado. Segundo Pesavento (2004, p. 40):

Representar �, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, � presentifica��o de um ausente; � um apresentar de novo, que d� a ver uma aus�ncia. A id�ia central �, pois, a da substitui��o, que recoloca uma aus�ncia e torna sens�vel uma presen�a.

Se o objetivo central do conceito de representa��o � trazer para o presente o ausente vivido e, dessa forma, poder interpret�-lo, o de apropria��o, segundo Chartier (1990, p. 26), � �construir uma hist�ria social das interpreta��es, remetidas para suas determina��es fundamentais� que s�o o social, o institucional e, sobretudo, o cultural.

Como o objetivo desse artigo n�o �, claro, o de fechar quest�o em torno de nada, gostar�amos de salientar que, tanto na sua vertente italiana quanto na sua vertente francesa, a proposta da Nova Hist�ria Cultural seria o de decodificar a realidade do j� vivido por meio das suas representa��es, desejando chegar �quelas formas pelas quais a humanidade expressou-se a si mesmo e o mundo.

Para o historiador da cultura, isso � muito importante ressaltar, o passado s� chega aos dias atuais por meio das representa��es. Afirmando com Pesavento (2004, p. 42):

�a rigor, o historiador [da cultura] lida com uma temporalidade escoada, com o n�o-visto, o n�o-vivido, que s� se torna poss�vel acessar atrav�s de registros e sinais do passado que chegam at� ele�.

Neste ponto de nossa discuss�o, uma nova possibilidade de investiga��o hist�rica surge como fazendo parte do elenco de mudan�as epistemol�gicas que acompanharam a emerg�ncia da Nova Hist�ria Cultural. Estamos nos referindo ao aparecimento da Micro-Hist�ria. � nela, pois, que muitos historiadores da Nova Hist�ria Cultural, sentiram-se bastante a vontade para realizar suas pesquisas (como � o caso do pr�prio Ginzburg, anteriormente citado).

Vejamos alguns aspectos de seu nascedouro. Segundo Vainfas (2002, p. 68):

o surgimento da Micro-Hist�ria tem a ver com o debate intelectual e historiogr�fico das d�cadas de 1970 e 1980. Tem a ver, tamb�m, com a quest�o da crise do paradigma marxista e de outros modelos de hist�ria totalizante e com a solu��o das mentalidades, que cedo se mostrou inconsistente no plano estritamente te�rico-metodol�gico.

Dessa forma, as finalidades da Micro-Hist�ria movem-se no campo das cr�ticas � hist�ria das mentalidades (vejam a coincid�ncia com a Nova Hist�ria Cultural), n�o deixando-se confundir com elas. Mas a pergunta mais importante que devemos fazer �: onde a Micro-Hist�ria contribui com a Nova Hist�ria Cultural?

Do ponto de vista metodol�gico, a Micro-Hist�ria avan�a nas pesquisas historiogr�ficas por romper com a pr�tica calcada na ret�rica e na est�tica. O trabalho da micro-hist�ria tem se centralizado na busca de uma descri��o mais realista do comportamento humano, empregando um modelo de a��o que possa dar voz a personagens que, de outra maneira, ficariam no esquecimento. Segundo Levi (1992, p. 136), a micro-hist�ria possui, portanto, um papel muito espec�fico dentro da chamada Nova Hist�ria Cultural: �refutar o relativismo, o irracionalismo e a redu��o do trabalho do historiador a uma atividade puramente ret�rica que interprete os textos e n�o os pr�prios acontecimentos.�

Outro historiador que nos alerta para a import�ncia da Micro-Hist�ria � Lu�s Reznick (2002, p. 3), para quem:

O espa�o local, al�ado em categoria central de an�lise, constitui uma nova possibilidade de estudo no quadro das interdepend�ncias entre agentes e fatores determinantes de experi�ncias hist�ricas eleitas pela lupa do historiador. Nessa nova concep��o, cada aparente detalhe, insignificante para um olhar apressado ou na busca exclusiva dos grandes contornos, adquire valor e significado na rede de rela��es plurais de seus m�ltiplos elementos constitutivos.

Dessa forma, o historiador de orienta��o micro-hist�rica, amparado pelos conceitos da Nova Hist�ria Cultural discutidos anteriormente, pode �enxergar� acontecimentos, fatos que a historiografia tradicional n�o �enxerga� e trazer � tona dados que estavam adormecidos. Portanto, sua an�lise � mais criteriosa, justa e democr�tica. Ainda segundo o pensamento de Reznick (2002, p. 3):

Ao eleger o local como circunscri��o de an�lise, como escala pr�pria de observa��o, n�o abandonamos as margens (...), as normas, que, regra geral, ultrapassam o espa�o local ou circunscri��es reduzidas. A escrita da hist�ria local costura ambientes intelectuais, a��es pol�ticas, processos econ�micos que envolvem comunidades regionais, nacionais e globais. Sendo assim, o exerc�cio historiogr�fico incide na descri��o dos mecanismos de apropria��o � adapta��o, resposta e cria��o � �s normas que ultrapassam as comunidades locais.

Dessa forma, � poss�vel afirmar, conforme Levi (1992, p. 139), que �o princ�pio unificador de toda pesquisa micro-hist�rica � a cren�a em que a observa��o microsc�pica revelar� fatores previamente n�o observados�, o que n�o aconteceria numa abordagem tradicional. A descri��o micro-hist�rica serve para registrar uma s�rie de acontecimentos ou fatos significativos que, de outra forma, seriam impercept�veis e que, no entanto, podem ser interpretados por sua inser��o num contexto mais amplo, ou seja, na trama do discurso cultural.

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[1] Psic�logo, Historiador e Especialista em Hist�ria da Filosofia.


Refer�ncias bibliogr�ficas

� CHARTIER, Roger. Introdu��o. In: A hist�ria cultural. Lisboa, Difel, 1990.
� GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. S�o Paulo, SP: Cia. das Letras, 1986.
� LEVI, Giovanni. Sobre a micro-hist�ria. In BURKE, Peter. A escrita da hist�ria. S�o Paulo, SP. Unesp, 1992.
� PESAVENTO, Sandra Jatahy. Hist�ria e hist�ria cultural. Belo Horizonte, MG: Aut�ntica, 2004.
� REZNIK, Lu�s. Qual o lugar da hist�ria local?. Artigo publicado em www.historialocal.com.br, acessado em 25.08.2004.
� VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas an�nimos da hist�ria. S�o Paulo, SP: Campus, 2002.

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